quinta-feira, 15 de abril de 2010
Canção Epilogo
Das altas montanhas
Canção-epílogo
Ó meio-dia da vida! Tempo festivo!
Ó jardim de verão!
Inquieta felicidade no estar perscrutando e esperando:
Espero os amigos, noites e dia disposto,
Onde estás vós, amigos? Vinde! é tempo! é tempo!
Não foi para vós que o cinzento gelo
Se enfeitou hoje de rosas?
O riacho procura-vos; saudosos apressam-se, empurram-se
Vento e nuvens, hoje subindo para o azul,
Para bem alto vos espreitarem.
A minha mesa foi posta para vós bem no cimo:
Quem habita nas estrelas
Tão próximo, quem, das medonhas distâncias do abismo?
O meu reino --- que reino se estendeu tão distante?
E o meu mel --- quem é que o provou?...
--- Cá estáis vós, amigos! --- Ah, todavia não sou eu,
Quem queríeis vós?
Hesitais, pasmais --- ai, melhor seria se sentísseis rancor!
Eu --- não sou mais eu? Estão diferentes a mão, o andar, o eis rosto?
E o que eu sou, não sou mais --- para vós, amigos?
Serei outro? Estranho a mim mesmo?
Fugido de mim mesmo?
Um lutador que muitas vezes se venceu a si mesmo?
Que muitas vezes se venceu a si mesmo?
Ferido e detido pela sua própria vitória?
Procurei, onde o vento sopra mais cortante?
Aprendi a viver
Onde ninguém vive, nas zonas ermas dos louros brancos.
Desaprendi Homem e Deus, blasfêmia e oração?
Tornei-me um fantasma, caminhante das geleiras?
--- Vós, velhos amigos! Olhai! Agora estais sem cor,
Repletos de amor e de pavor!
Não, ide! Não se zanguem! Aqui --- vós não podeis habitar:
Aqui no distante reino dos gelos e das rochas ---
Aqui se deve ser caçador e ágil como o caprídeo.
Tornei-me um caçador perverso! --- Vede como
O meu arco está bem esticado!
Foi o mais forte quem conseguiu distendê-lo assim --- --- :
Mas agora, ui! Esta seta é perigosa
Como nenhuma seta --- fugi daqui! Para vosso bem!...
Vós ireis? --- Ó coração, tu suportaste bem,
Forte ficou a tua esperança:
Mantém tuas portas abertas a novos amigos!
Deixa os velhos!Deixa a recordação!
Se já foste jovem, agora --- és jovem de um modo melhor!
O que uma vez nos ligou, o laço de uma esperança ---
Quem lê ainda os sinais,
Os empalidecidos que a mão hesita em segurar
Comparo-o eu --- igualmente desbotado, queimado.
Já não são amigos, esses --- como chamá-los então? ---
Apenas amigos-fantasmas!
À noite, esses ainda batem no meu coração e na minha janela,
Olham-me e dizem: "mas éramos nós?" ---
--- Ó palavra murcha que no passado cheirava a rosas!
Ó saudade da juventude, que não compreendeu a si
[mesma!
Aquelas por quem eu aguardava,
Que eu julgava transformados tal como eu,
O fato de terem envelhecido afastou-os:
Só o que se transforma continua meu amigo.
Ó meio-dia da vida! Segunda juventude!
Ó jardim de verão!
Inquieta ventura no estar perscrutando e esperando!
Espero os amigos, noite e dia disposto,
Os novos amigos! vinde! É tempo! É tempo!
***
Esta canção findou --- o doce grito da saudade
Morreu na boca:
Fê-lo um mágico, o amigo da hora certa,
O amigo do meio-dia --- não! Não pergunteis quem é ---
Era meio-dia, o Um tornou-se Dois...
Agora festejamos nós, convictos da vitória comum,
A festa das festas:
Chegou o amigo Zaratustra, o hóspede dos hóspedes!
Ri o mundo agora, abriu-se a horrível cortina,
É o casamento entre a Luz e as Trevas...
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